acordei com algo entalado no meu peito que eu não sabia dizer o que era. uma angustia tão grande que me sucumbia com o tempo e passou a me incomodar. acordei com aquela sensação de refluxo, de que precisava colocar algo para fora a todo custo. precisava confessar! há tempos sabia que um dia teria que compartilhar com alguém meus segredos. mas esse segredo? não sabia o que dizer, como explicar, mas ele estava aqui o tempo todo comigo.
quando cheguei na igreja, não lembrava qual reverência devia fazer… salaam aleikum, namastê, amém? como rezar, como pedir? ao encontrar o padre, ele me explicou um pouco sobre a confissão, o poder dela e que eu precisaria me abrir e aceitar que havia pecado, que precisava me redimir.
– mas padre…
– é assim que a vida é. abra seu coração! não irei te julgar… só intercederei por você.
– tudo bem… saiba que pequei!
– como?
– o pecado maior, o pior de todos…
– me diga, qual!?
– me apaixonei por um sorriso!
era o meu fim. eu era uma compulsiva por sorrisos dos mais belos e os mais charmosos. o rosto, o formato do queixo e o brilho no olhar. eu amava aquilo com tanta intensidade que distribuía sorrisos por ai. me apaixonava por cheiros, perfumes e sotaques. me apaixonava cada vez que admirava o sorriso de alguém, o jeito de alguém, a pele de alguém. amava. me apaixonava. por ser tão surreal, me apaixonei inúmeras vezes… me perdi em inúmeros sorrisos.
– resolvo seu problema com algumas orações e…
como eu poderia rezar e perder essa minha compulsão por olhos bonitos, sorrisos incríveis e brilhos no olhar? eles não precisam ser direcionados para mim, eu só precisava olhar aquele sorriso e me apaixonar por ele. inúmeras paixões por dia, por semana, por mês.
sempre afirmei que toda forma de amor é válida! me apaixono por pessoas que sorriem uma para as outras. me apaixono com o toque e com a sutileza do amor, aquele amor que abraça, que protege da chuva, que acolhe nos dias ruins e isso são amores? mas amores são confissões e vivemos em um mundo onde a nudez é mais racional do que um eu te amo verdadeiro. onde o toque se dá por dedos em um celular. onde a distância é justificável com a acomodação. quando tolerar e aceitar algumas coisas faz mais sentido do que se permitir viver.
sai frustrada da igreja. busquei muito mais do que uma prece, busquei uma rendição.
negava-me a ideia de me render ao mundo e aos dias atuais. neguei-me a aceitar que o tolerável era me adaptar ao dia a dia. que precisava ser maleável para me apaixonar por alguém que não amava. que não queria. que não tocava. mas ainda estava apaixonada, ainda sentia o fervor daquela emoção de sorrir pela primeira vez, do olhar que se cruza e congela o tempo, que estagna no meio termo. quando os segundos são imensuráveis, quando perde-se todo o sentido do mundo e você esquece que está sentada, em uma mesa, com alguém que te olha nos olhos e é como se olhasse sua alma, se te despisse.
pedi perdão. me rendi. me neguei. e na minha prece eu só dizia…
– chega de amores por um tempo. amém?
e parece que os anjos disseram amém!